3.5.10

O Projeto Saci-Pererê no Blog do Noblat da Globo

Crônica
As Sherazades do Saci Pererê

Contar histórias a viva voz, essa antiguíssima habilidade que salvou a pele da Sherazade nas Mil e Uma Noites, é papo sério aqui em Buenos Aires. A cidade possui um número razoável de “cuentacuentos”, especialistas em entreter gente de qualquer idade com uma boa história.

Eles podem ser encontrados em livrarias, festas, programas de rádio (sim, dá para dormir escutando um bom conto por aqui), escolas, bibliotecas para cegos, clínicas geriátricas.

“Vivemos em uma sociedade tão bombardeada por imagens que necessitamos o bálsamo da oralidade”, costuma dizer Claudio Ledesma, integrante do círculo de Cuentacuentos, que se define como “um contador profissional de historias”.

A partir do dia 30 deste mês, esses contadores estarão reunidos no 15º Encontro Internacional de Narração Oral “Cuenteros y Cuentacuentos”, que acontece durante a Feira do Livro.

O objetivo é trocar experiências e, principalmente, ensinamentos. A arte de contar histórias é cheia de segredos, que vão desde a escolha do texto, ou de sua versão, até a respiração, os silêncios, os olhares.

"Conta-se com todo o corpo, não somente com a voz”, explica Graziela Deza, proprietária de uma escola de narração oral e leitura em voz alta. Para vocês terem uma idéia, a formação de um contador de histórias pode levar dois anos. “Na verdade não termina nunca”, acrescenta Deza.

Nesse universo, conheci duas brasileiras que fazem um trabalho bacana e importante, - a Sonia Marchioro e a Paola Fonseca. Elas criaram em Buenos Aires o projeto Saci-Pererê (projetosaciperere.blogspot.com) e mesclam a arte de contar contos com o resgate das histórias e folclore do Brasil.

As duas vivem na capital portenha há mais de dez anos e revelam que foi entre um mate e outro que surgiu a idéia.

O projeto é direcionado a crianças entre zero e 10 anos, principalmente filhos de casais das duas nacionalidades. São pequenos normalmente alfabetizados em espanhol e que, embora visitem o Brasil de vez em quando, possuem pouco contato com a nossa cultura e com o português.

Ou que pelo menos possuíam. Com a iniciativa, desenvolvida uma vez por mês na Livraria La Nube, as crianças agora já sabem quem são, por exemplo, o Curupira, a Iara, a Mula-sem-cabeça, o Menino Maluquinho, a Emília. E também as datas comemorativas, como as Festas Juninas, e os trava-línguas.

No ano passado, a dupla inaugurou a Biblioteca do Saci, que reúne mais de 200 livros doados por editoras, particulares, Embaixada do Brasil e outros parceiros. Assim, os pais podem ler as obras brasileiras para as crianças em suas casas. Um incentivo para que o português se instale mais naturalmente nos momentos de lazer.

A literatura brasileira vai ganhar reforço também na outra ponta, para chegar igualmente aos “chiquitos” argentinos. Na Feira deste ano será lançada a reedição, em espanhol, das obras de Monteiro Lobato, um pedido especial de Cristina Kirchner. “Mais do que ler estes textos, eu os devorei”, diz a presidente no prefácio de “Las aventuras de Perucho y Naricita”.

Ouvir um bom relato, no entanto, não é somente coisa de criança. Para quem está de viagem marcada para Buenos Aires, deixo uma dica: todos os domingos, no final da tarde, o grupo grupo “Contame una historia, mentime al oído” se reúne no Museu Casa Carlos Gardel para contar histórias de gente grande.

Os enredos? O tango e seus fantasmas.

Um passeio diferente pela Buenos Aires de sempre.



Gisele Teixeira é jornalista. Trabalhou em Porto Alegre, Recife e Brasília. Recentemente, mudou-se de mala, cuia e coração para Buenos Aires, de onde mantém o blog Aquí me quedo(http://giseleteixeira.wordpress.com), com impressões e descobrimentos sobre a capital portenha.

Siga o Blog do Noblat no twitter

Ouça a Estação Jazz e Tal