13.7.09

História do Folclore Brasileiro

O SACI

Nas cidades e nas roças, todo mundo tem medo de Saci. É um perneta muito safado que adora fazer estripulias nos terreiros das fazendas e assustar os animais no pasto. Pedrinho, que não tem medo de nada, conseguiu caçar um com a peneira e colocá-lo na garrafa, como ensinou um velho caboclo das vizinhanças. Mas logo devolveu a liberdade ao Saci e ficaram amigos. O Saci ensinou a Pedrinho os segredos da floresta.

O Saci é um negrinho de uma perna só, que usa carapuça vermelha, cachimbo na boca, com orelhas pontiagudas. Quando chega, se anuncia fazendo um rodamoinho e solta um assobio muito forte. “É um diabinho que anda solto pelo mundo, armando reinações de toda sorte: azeda o leite, quebra pontas das agulhas, esconde as tesourinhas de unha, embaraça os novelos de linha, faz o dedal das costureiras cair nos buracos, bota moscas na sopa, queima o feijão que está no fogo, gora os ovos das ninhadas. Quando encontra um prego, vira ele de ponta pra cima para que espete o pé do primeiro que passa. Tudo que numa casa acontece de ruim é sempre arte do saci. Não contente com isso, também atormenta os cachorros, atropela as galinhas e persegue os cavalos no pasto, chupando o sangue deles. O saci não faz maldade grande, mas não há maldade pequenina que não faça" .Tio Barnabé, personagem do Sitio do Pica Pau Amarelo de Monteiro Lobato, escritor brasileiro

O Pedrinho teve o Saci preso na garrafa por uns dias. Mas aí, o Saci pediu que o soltasse para que pudesse mostrar-lhe a mata, e fazê-lo conhecer os mistérios e os animais que viviam nela. Ele falou de modo tão simpático e generoso que o Pedrinho reparou que o Saci, não era só aquele moleque diabinho que adorava fazer travessuras e deixar as pessoas nervosas... Percebeu que o Saci também era um grande companheiro, que podia ensinar o Pedrinho "ler" a mata para que aprendesse a se defender com esperteza dos sinais, barulhos que ela dava. Na floresta é assim, os mais fracos aprendem a se defender dos mais fortes, com esperteza, astúcia e inteligência. Quando o Saci foi solto pelo Pedrinho finalmente, propôs ao menino de ir andar pela floresta para conhecer seus mistérios. O Pedrinho estava com um pouquinho de medo, mas terminou aceitando, porque ele pensou: Na companhia do Saci, o mais esperto de todos, nada vai me acontecer!!

Sacizada
Então, o primeiro lugar que o Saci mostrou pro Pedrinho foi onde a sacizada nasce.
- É aqui, dentro desse bambuzal que se geram e crescem meus irmãos de uma perna só - disse o Saci. Quando estão crescidos eles furam o bambu e saltam fora. Repare quantos furos. Dentro deles havia um saci que já saiu.
O Pedrinho pediu que o Saci deixasse ele ver lá dentro dos bambus para ver os sacizinhos e o Saci, aceitando, fez o Pedrinho virar de costas para que ele não visse o modo em que ele furava os gomos.
- Posso espiar? perguntou Pedrinho.
- Pode, mas espia só com um olho, se espiar com dois o sacizinho acorda e joga nos seus olhos uma brasa do cachimbo.
- Que legal !! exclamou Pedrinho que pena que o pessoal lá de casa não está aqui para ver esta maravilha!!
-Chega! - disse o Saci. Vire-se de costas que já é hora de fechar a janelinha.
Nesse mesmo instante, um formidável miado de gato feriu seus ouvidos.
- É o jaguar!! - falou o Saci. – Vamos depressa trepar numa árvore porque ele está chegando.
Pedrinho, morrendo de medo, subiu na primeira árvore que viu.
- Nessa, não! - gritou o Saci. – É muito grossa; o jaguar treparia atrás de nós. Temos que escolher uma lisa e de troco fino. Aquela ali está ótima – concluiu, e apontou para uma árvore bastante alta e magrinha.
Subiram. Nunca em sua vida o Pedrinho subiu tão depressa em uma árvore! Pedrinho ajeitou-se numa forquilha da árvore, e ficou quietinho ao lado do Saci. Preparou-se para ver a fera sobre a qual vivia falando, mas não sabia muito bem como era. Ia ver a famosa onça-pintada.
O miado soou de novo, desta vez mais perto, e logo depois surgiu por entre as folhas a cabeça da formidável onça-pintada. Ela parou, farejou o ar e ergueu os olhos para a árvore. A onça pode ver o menino e o Saci lá em cima e soltou um rugido de satisfação, como quem diz: "Hum, achei o meu jantar!" e tentou subir a árvore. Vendo que isso lhe era impossível, sacudiu o tronco com tanta força que por um triz Pedrinho não veio abaixo. Mas não caiu, e a onça desanimada, resolveu esperar que ele descesse.
- Ela é capaz de ficar ali vários dias. Temos que inventar um jeito de assustá-la – disse o Saci.
Olhou ao redor como quem está com uma idéia na cabeça. Depois saltou de árvore em árvore até uma que estava cheia de grandes vagens. Pegou algumas delas e voltou com o Pedrinho.
- Abra as mãos e segure o pó que vou deixar cair. Disse o Saci.
Pedrinho esticou a mão em forma de cuia e pegou o pó que o Saci deu.
- Agora derrame esse pó de uma só vez para que caia na cara da onça.
Pedrinho se preparou em pé em cima da árvore, se concentrou e derramou, de uma tacada só, o pó amarelo.
Foi uma beleza aquilo!! Quando o pó caiu sobre os olhos da onça ela deu tamanho pinote que foi parar a cinco metros de distancia. Saiu correndo esfregando os olhos do ardor.
-Que diabo de pó é esse, amigo saci? - perguntou Pedrinho
- Isso se chama pó-de-mico. Arde nos olhos como pimenta e dá na pela uma coceira danada. Ela vai ficar ocupada se coçando um bom tempo.
Pedrinho finalmente desceu da árvore e riu da pobre onça, mas também orgulhoso de saber como se defender desses ataques selvagens.
- Pois assim é, disse o Saci. A lei da floresta é a lei de quem pode mais, ou por ter mais força ou por ser mais astuto. A astúcia é uma grande coisa na floresta. Está vendo aquele galhinho seco?
- Sim, um galhinho como outro qualquer - respondeu o menino.
- Pois está muito enganado, replicou o saci. Não é galho nenhum, e sim um bichinho que finge de galho seco para não ser atacado pelos inimigos.
Pedrinho não acreditava, mas cutucando o galhinho viu que ele se mexia. Ficou assombrado da esperteza.
- E aquilo? - perguntou o saci apontando para uma folha. Que parece aquilo?
Pedrinho viu que era uma folha, mas já estava ficando sabido da traição da floresta, piscou o olho pro Saci e disse:
- Dessa vez eu não caio. Parece uma folha, mas com certeza é um bichinho que se disfarça de folha.
E cutucou para ver se mexia. Mas a folha, não se mexeu.
- É folha mesmo, bobinho!! E o saci deu uma risada. - Ainda é muito cedo para você "ler" a mata, entender os seus significados. Um menino da cidade como você, entende tanto de natureza como eu de grego ou chinês.

Adaptação de um fragmento do livro O SACI, de Monteiro Lobato

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